quinta-feira, novembro 17, 2005

Uteramente

Não sei olhar o céu – desconforta-me
Sei somente
Olhar a folha
Onde escrevo, onde leio.
O meu mundo é este
Inscrito em páginas
Não sei nada do mundo de fora – esse que dizem real.
Vivo de artifícios, equívocos linguísticos
Céu, nuvens, árvores
Oh, palavras, letras, sons - Nem sequer ditos ao vento
Apenas retidos aqui
Neste momento
Não sei erguer os olhos
O horizonte amedronta-me
Aqui estou segura
Sim aqui sou segura.
Mesmo que queira erguer
Este imã a que chamo folha impele-me para baixo
Para os meus infernos
Para remoê-los, para compreende-los.
O céu não traz o inferno – promete o divino
E eu não quero promessas
Não quero infinitos possíveis
Só tenho o concreto aqui e agora
Esta folha que me recebe uma vez mais – prende-me
O grilhão que protege do voo
Da queda, da precipitação
Aqui fico aqui, não caio
Permaneço inerte
Quieta, muda, despercebida
Do mundo, sem receio
Aqui fico bem
Quente, protegida, confortável
Uteramente bem

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