Sofia olha pela janela. Os seus olhos permanecem sobre a sua desinteressante e velha rua. Há muito que já não acontece algo de novo naquele local. São sempre os mesmos prédios, as mesmas cores esbatidas, os mesmos rostos inócuos dos mesmos vizinhos anónimos, a mesma letra desaparecida do nome do café.
Sofia prende-se nos pormenores tristes. Os cães famélicos com olhares vagos e inconsequentes, que nem a morte procura através de um carro descuidado em maior velocidade. As manchas negras nas esquinas a que o vento leva o cheiro fétido - o mesmo que se concentra nas arcadas – batidas e escuras. O carro anteriormente vermelho abandonado - não se sabe se há meses ou anos - e em que a ferrugem vai vencendo a batalha da cor. Debaixo, uma plantação de ervas variadas, outrora sementes soltas ao vento que aqui encontraram o seu porto de abrigo, a sua prisão perpétua. Sementes rebeldes que se quedaram para descansar e ganharam parcas raízes.
Sofia observa o maltratado rosto do Sr. Zé. É difícil perceber o que mais o agrediu, se o tempo, se a bebida. É mesmo impossível dizer se esta serviu sequer para afogar alguma mágoa ou é simplesmente um mar que se vai enchendo copo a copo. As suas feições são quase imperceptíveis, é um esforço hercúleo tentar definir os seus traços.
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