Este título significa para mim a descoberta de uma nova realidade, um novo mundo que não tinha noção que pudesse existir. Uma realidade que me parecia longínqua no tempo, mas que se me revelou ainda viva.
Escrito em 1974 por Ismail Kadaré, Abril Despedaçado transporta-nos para os áridos planaltos albaneses onde impera o kanun, uma lei consuetudinária com origem em tempos imemoriais, e caracterizada pelo fatalismo e pela impossibilidade de fuga. Em 2002 o realizador brasileiro Walter Salles adaptou esta história de fatalidade ao cinema, transpondo a acção para o recôndito e igualmente árido interior brasileiro. E se o cenário não é o mesmo, o que provoca adaptações ao enredo, no entanto, este mantêm a sua essência inalterada.
Em ambos, o drama humano é tratado com extrema delicadeza e subtileza, mostrando o vazio e a falta de perspectivas a que as personagens estão votadas. A incapacidade de lutar contra o peso da tradição que é tão opressiva quanto o horizonte árido que as rodeia, no qual a vida parece sempre condenada e onde a morte é um dado sempre presente e visível.
O kanun, que dá um aparente livre arbítrio aos homens, encontra apenas uma ligeira fuga, ou antes, um breve adiar da sua sentença pelo amor. Deste modo o papel da mulher apresenta-se como redentor, sendo ela a única figura capaz de desafiar a velada e imposta autoridade, pois devido à sua aparente fragilidade está fora do alcance do kanun, mas como é igualmente observadora exterior e vitima, é a única capaz de o questionar.
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