A minha família tem origem na freguesia de Cernache do Bonjardim, concelho da Sertã. É lá que está a casa de família construída pelos meus avós paternos e que aquando da morte destes foi herdada pelo meu pai. A casa da terra foi sempre o nosso destino de fim-de-semana e de férias – sempre curtas, pois não duravam mais de uma semana. A sua arquitectura era simples: três quartos, três salas, uma cozinha com lar e no piso térreo a adega e os restantes espaços de armazenagem e criação de animais.
Não tenho qualquer recordação dos meus avós lá. O meu avô morreu ainda eu não tinha nascido e a minha avó quando eu era ainda pequena. As poucas imagens que dela tenho têm como cenário a casa onde nasci e ainda hoje vivo. Mas essas recordações são uma outra história…
Na nossa casa da terra, costumava dormir numa pequena sala contigua ao quarto dos meus pais. Nessa sala, além de mobílias velhas, que não podem ser consideradas antiguidades, foi pendurado a certa altura um quadro com uma menina bailarina. Era um quadro bonito, uma qualquer imitação, penso eu, de um pintor de renome, mas até agora nunca vi nenhuma imagem igual àquela. Esse quadro foi-se deteriorando ao longo dos anos perdendo a cada Inverno a inglória batalha da humidade. Na verdade, sempre me fez questionar quantas obras de arte se perderam no mundo por simples incúria ou ignorância.
O quadro ficava de frente para o pequeno divã em que dormia. Era já velho e o seu formato concavo acusava já os muitos anos de uso. Eu não me importava. Era ai que me anichava e me preparava para dormir e era ai que de manha ao acordar recebia a luz que o sol contrabandeava por entre as ténues frestas da janela.
Uma das primeiras coisa que via era o tecto de madeira num pálido tom de verde que não deveria ser muito diferente do tom original. Em cada canto do tecto havia uma pequena andorinha cerâmica que pareciam voar para o centro da sala. Era o que o tornava único.
Quando anos mais tarde o meu pai resolveu fazer obras que a casa já há muito necessitava quase toda a sua traça foi alterada. E essa sala também deixou de o ser.
Antes de se iniciar o desmancho, o meu pai e o meu tio olharam longamente para aquele tecto num momento que todos respeitámos e não ousamos sequer interromper, pois nos seus olhos tristes se percebia a solenidade da despedida.
Para mim essas andorinhas são parte da minha infância e nunca tinha pensado nelas como parte da infância do mau pai. É estranho e curioso como parece inconcebível que os nossos pais tenham tido uma infância. Para nós são adultos e pouco mais vemos deles além desse estado. É preciso um certo esforço para vermos mais além e isso não significa que o consigamos. Aliás, continuo a não conseguir ver o meu pai como criança. Mas, hoje, que já deixei a infância há alguns anos, compreendo cada vez mais aquele olhar de despedida do meu pai. O olhar resignado e triste com que nos despedimos dos lugares que nunca mais veremos a não ser nas nossas recordações. Reconheço esse olhar. Cada um de nós despediu-se à sua maneira da casa da nossa infância.
1 comentário:
Ah também és dessa zona?!
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