sexta-feira, julho 07, 2006

Uma outra história… de mim

Uma das primeiras imagens de que tenho memória é relacionada com a morte. Mas, no entanto, nenhuma delas, alguma vez, me invocou qualquer sentimento de trauma ou dor ou medo. Somente estranheza e intriga.
Segundo relatos, quando a minha avó paterna, que vivia connosco, faleceu, fui eu, com cerca de dois anos, que abria a porta de casa e fui chamar a nossa vizinha. Apesar desse relato, não tenho qualquer memória desse momento. Recordo sim o velório da minha avó, do qual tenho duas imagens.
A primeira corresponde à de dois homens vestidos de negro e empunhando cada um um castiçal a entrarem pela porta adentro. E eu olhava para eles do alto dos meus dois anos e eles pareciam muito grandes e muito estranhos. Dois desconhecidos vestidos de negro.
A segunda imagem é a da minha avó no caixão aberto, creio que forrado a veludo grená, e com as mãos cruzadas sobre o peito. Os ditos castiçais encontravam-se em cada topo do caixão e eu observava tudo isto ao colo do meu pai.
Como já referi, nenhuma destas imagens me traumatizou, nem o facto do velório ter sido naquele onde pouco depois se transformou o meu quarto. Mas para mim toda aquela situação foi estranha. Objectos e pessoas desconhecidos a entrarem assim em nossa casa. E para quê? Sim porque para uma criança dessa idade, o conceito de morte mais não é que uma ausência que não se percebe porquê. Apenas, alguém lá estava antes e agora não está. Foi algo de surreal. Mas também de uma certa naturalidade. Observei aquilo com uma neutralidade que não me afectou.
Talvez por isso quando vejo Sete Palmos de Terra me reveja um pouco naquela família. Porque em nenhum outro filme, série ou livro, tenha reconhecido aquele sentimento de neutralidade relativamente à morte. É algo que vemos, envolve certos rituais institucionalizados que raramente compreendemos, acontece sem uma razão aparente e que apenas podemos observar. Não podemos evitar, apenas aceitar.

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