segunda-feira, julho 17, 2006

O Senhor Ventura, M. Torga

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- À hora menos esperada da razão, damos connosco a sorrir dos rigores dos nossos critérios.
- Evidentemente que nem todas as existências têm a mesma significação. Mas, em última análise, também as menos relevantes são indispensáveis ao conjunto. Enriquecem-no. sem elas, certas horas intermédias e simples, duma expressividade humilde, ficariam por revelar. E a harmonia é o todo, o grande e o pequeno de braço dado.
- O pior defeito dela era não ser capaz de se mostrar fraca quando a própria vida o pedia. Era não poder atenuar as arestas das suas palavras, nem vestir a expressão nua das suas emoções.
- Ah, eu acredito que esta fidelidade inconsciente ao granito, ao luar e à urgeira encerra uma grande lição de vitalidade e de singularidade. Vejo nela uma prova do nosso destino nacional e universal.
- A lógica de cada vida é tão perfeita, que até mete aflição.

sexta-feira, julho 14, 2006

Excissão

Vi-me recentemente utilizada como peão num jogo de forças em que sendo eu o elo mais fraco pouco ou nada podia fazer senão uma participação que me dignificasse, embora não pudesse nunca a vir a ganhar. Primeiro a convicção de participar o melhor possível e depois a raiva pelos obstáculos injustos e sobre os quais fui mantida na ignorância. Depois a percepção de como cada um jogava os seus trunfos e fazia os seus passos. E eu como não vou dar murros em pontas de facas porque quem sai magoado e mutilado sou eu e a minha capacidadade de sacrificio não vai tão longe, corto somente mais um pedaço da minha ingenuidade e o espaço que fica é ocupado pelo crescente cepticismo e cinismo.

sexta-feira, julho 07, 2006

Uma outra história… de mim

Uma das primeiras imagens de que tenho memória é relacionada com a morte. Mas, no entanto, nenhuma delas, alguma vez, me invocou qualquer sentimento de trauma ou dor ou medo. Somente estranheza e intriga.
Segundo relatos, quando a minha avó paterna, que vivia connosco, faleceu, fui eu, com cerca de dois anos, que abria a porta de casa e fui chamar a nossa vizinha. Apesar desse relato, não tenho qualquer memória desse momento. Recordo sim o velório da minha avó, do qual tenho duas imagens.
A primeira corresponde à de dois homens vestidos de negro e empunhando cada um um castiçal a entrarem pela porta adentro. E eu olhava para eles do alto dos meus dois anos e eles pareciam muito grandes e muito estranhos. Dois desconhecidos vestidos de negro.
A segunda imagem é a da minha avó no caixão aberto, creio que forrado a veludo grená, e com as mãos cruzadas sobre o peito. Os ditos castiçais encontravam-se em cada topo do caixão e eu observava tudo isto ao colo do meu pai.
Como já referi, nenhuma destas imagens me traumatizou, nem o facto do velório ter sido naquele onde pouco depois se transformou o meu quarto. Mas para mim toda aquela situação foi estranha. Objectos e pessoas desconhecidos a entrarem assim em nossa casa. E para quê? Sim porque para uma criança dessa idade, o conceito de morte mais não é que uma ausência que não se percebe porquê. Apenas, alguém lá estava antes e agora não está. Foi algo de surreal. Mas também de uma certa naturalidade. Observei aquilo com uma neutralidade que não me afectou.
Talvez por isso quando vejo Sete Palmos de Terra me reveja um pouco naquela família. Porque em nenhum outro filme, série ou livro, tenha reconhecido aquele sentimento de neutralidade relativamente à morte. É algo que vemos, envolve certos rituais institucionalizados que raramente compreendemos, acontece sem uma razão aparente e que apenas podemos observar. Não podemos evitar, apenas aceitar.